Concepção de língua e implicações para a produção textual
Mikhail Bakhtin, o filósofo do diálogo
Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos, ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-1938).
Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo - e não apenas como um sistema autônomo. "A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam", escreveu o filósofo.
Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Esse sujeito se vale do conhecimento de enunciados anteriores para formular suas falas e redigir seus textos. Além disso, um enunciado sempre é modulado pelo falante para o contexto social, histórico, cultural e ideológico. "Caso contrário, ele não será compreendido", explica a linguista Beth Brait, estudiosa de Bakhtin e professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas na capital paulista.
Nessa relação dialógica entre locutor e interlocutor no meio social, em que o verbal e o não-verbal influenciam de maneira determinante a construção dos enunciados, outro dado ganhou contornos de tese: a interação por meio da linguagem se dá num contexto em que todos participam em condição de igualdade. Aquele que enuncia seleciona palavras apropriadas para formular uma mensagem compreensível para seus destinatários. Por outro lado, o interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado, internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito).
Linguagem como Interação
A linguagem se constitui no encontro de pessoas:
- em um dado contexto
- em uma situação comunicativa
- com um dado propósito social
A produção linguística não parte de si e não se esgota em si: ela vem das vozes sociais e pede uma contra palavra.
Produção textual: a tensão entre a palavra neutra, a palavra do outro e a minha palavra.
Relação entre Modalidades Linguísticas
Escrita/Fala
- o que dizer
- porque dizer
- para quem dizer
- como dizer
Leitura/Escuta
- gera perguntas
- gera respostas
- amplia o que dizer
- amplia o como dizer
Letramento: do conceito às implicações sociais e pedagógicas
Opinião: Analfabetismo funcional
"No Brasil, há aproximadamente 14 milhões de analfabetos absolutos e um pouco mais de 35 milhões de analfabetos funcionais, conforme as estatísticas oficiais", afirma Vicente Vuolo
Fonte: Diário de Cuiabá (MT)
São duas as formas de Analfabetismo. Há o Analfabetismo absoluto e o Analfabetismo funcional. O primeiro refere-se àquelas pessoas que não tiveram acesso à Educação, nunca puderam ir para a Escola por mais de um ano.
O Analfabetismo funcional por outro lado, segundo definição da UNESCO, "uma pessoa funcionalmente analfabeta é requerida para uma atuação eficaz em seu grupo e comunidade, e que lhe permitem, também, continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo a serviço do seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento de sua comunidade".
No Brasil, há aproximadamente 14 milhões de Analfabetos absolutos e um pouco mais de 35 milhões de Analfabetos funcionais, conforme as estatísticas oficiais. Segundo dados do IBOPE (2005), o Analfabetismo funcional atingiu cerca de 68% da população. O censo de 2010 mostrou que um entre quatro pessoas são analfabetas funcionais (porcentagem é de 20,3%). O problema maior está na Região Nordeste, onde a taxa chega a 30,8%.
Em 2012, o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa divulgaram o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF) entre estudantes universitários do Brasil e este chega a 38%, refletindo o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade durante a última década. Em alguns países desenvolvidos esse índice é inferior a 10%, como na Suécia, por exemplo.
Apesar da evolução positiva nos últimos anos, o quadro brasileiro é preocupante. Existem vários níveis de Alfabetização funcional: aqueles que apenas conseguem ler e compreender títulos de textos e frases curtas; e apesar de saber contar, têm dificuldades com a compreensão de números grandes e em fazer as operações aritméticas básicas. Outros, que conseguem ler textos curtos, mas não conseguem extrair informações esparsas no texto e não conseguem tirar uma conclusão a respeito do mesmo. E por fim, aqueles que detêm pleno domínio da leitura, escrita, dos números e das operações matemáticas (das mais básicas às mais complexas), que são minorias.
Esses índices tão altos de Analfabetismo funcional devem-se à baixa qualidade dos sistemas de Ensino público, ao longo de décadas.
De acordo com estudos do pesquisador Antenor França Júnior, da Universidade Federal do Paraná, apresentado em 2013, um amplo conjunto de medidas é necessário para reverter essa situação no Brasil. Maior abrangência de programas sociais que envolvam distribuição de renda, valorização de Professores e incentivos aos estudos são algumas das medidas necessárias.
O pesquisador mostra que o programa da Venezuela proporciona ao estudante a possibilidade de continuar os estudos até a universidade. Além disso, conta com formação voltada para o trabalho. Usando uma metodologia desenvolvida em Cuba, denominada "Yo sí puedo", o programa da Venezuela conseguiu alfabetizar cerca de 1,5 milhão de pessoas. Já no Brasil, o programa de erradicação do Analfabetismo apresenta números desfavoráveis. Ainda há cerca de 14 milhões de Analfabetos.
Para melhorar esse quadro, precisamos impulsionar nas Escolas políticas públicas onde as Escolas devem atender a diversidade, através de planos de ação que valorizem as habilidades e potencialidades de cada um. Ou seja, identificar o que cada um tem de potencial, em que pode colaborar com as experiências. Trabalhar a motivação dos Alunos, dando oportunidade aos mesmos. Sem deixar, é claro, de levar em conta a realidade social em que cada um vive. Quilombolas, por exemplo.
Segundo o conceituado Padre José Carlos Brandi Aleixo, jesuíta e Professor da Universidade de Brasília, o Analfabetismo não pode ser considerado uma doença individual e o Analfabeto não pode ser tratado de forma discriminatória, como se não servissem para nada. Disse Aleixo: "Eles são tão inteligentes; no início da civilização, foram os Analfabetos que ensinaram a alfabetizar os povos".
A verdade é que hoje, o Brasil está tendo que importar mão de obra para a indústria porque faltam trabalhadores qualificados. Isso tudo, porque o nosso Analfabetismo funcional é altíssimo.
É preciso repensar essa realidade!
*VICENTE VUOLO é economista (UnB), pós-graduado em ciência política (UnB), ex-vereador em Cuiabá e analista legislativo do Senado Federal